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Considerando-se a grande diversidade e dinamicidade das expressões da questão social, a troca de vivências profissionais tem relevante papel no intuito de qualificação da assistência prestada e na construção do projeto ético-político sintonizado com os anseios de igualdade e de justiça social.

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Tereza Cristina





quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Educação e saúde e assistência de alta complexidade Uma experiência do Serviço Social com grupo.


Por: Tereza Cristina Silva e Tatiane Cristina da Paixão Reis.(*)


Introdução.

As mudanças jurídicas implementadas nas políticas sociais a partir de 1988, em particular na política de saúde, ampliaram o espaço profissional do assistente social, na medida em que enfatizam a saúde para além do aspecto biológico, englobando a compreensão sobre os demais fatores envolvidos no processo saúde-doença.

A concepção de saúde adotada no Sistema Único de Saúde - SUS busca superar as distorções do modelo assistencial que estabelecia as dicotomias entre curativo e preventivo, individual e coletivo. As práticas educativas voltadas para a reflexão sobre as condições de vida e trabalho assumem um caráter relevante no atual modelo de saúde, envolvendo as ações nos diversos níveis assistenciais (primário, secundário, terciário e quaternário).

Entretanto, no cotidiano do espaço profissional da saúde, verifica-se que, na prática, não houve a quebra do paradigma tradicional clínico. Os assistentes sociais continuam sendo requisitados para atribuições desvirtuadas das que constam no seu estatuto profissional, prevalecendo as requisições para ações burocráticas, fragmentadas e desqualificadas, tais como: transferência de pacientes; comunicados de alta ou de internação; confecção de autorização para acompanhante...

A apreensão sobre a determinação social do processo saúde-doença pelos assistentes sociais contribui para a configuração do conceito-ampliado de saúde, o qual concebe as condições de alimentação; renda; moradia; transporte; lazer; educação; meio ambiente; cultura..., bem como referencia a ação profissional no sentido da defesa da universalização e ampliação dos direitos.

No Serviço do Coração do Hospital Geral de Bonsucesso- HGB, a cirurgia cardíaca tem relevância central na organização dos serviços. Apesar da característica de assistência de alta complexidade, na qual o caráter curativo tem proeminência, a abordagem sobre situações sociais vem adquirindo papel importante, dado a visibilidade das possíveis mudanças (funcional, comunitária, afetiva, sexual...) na vida do paciente e sua família pós cirurgia, as quais repercutem no processo de adoecimento e de recuperação, assim como se associam aos índices de reinternação.

A partir do GRUPISCO - Grupo de pacientes internados no Serviço do Coração, o Serviço Social vem atuando no sentido da compreensão sobre os diversos aspectos presentes no processo de adoecimento e de hospitalização. A metodologia desenvolvida baseia-se na concepção de Educação e Saúde, a qual privilegia a valorização da vivência do usuário enquanto sujeito coletivo e a interação entre os saberes técnico e do paciente.

Nesse sentido concordamos com Vasconcelos (2000) quando diz que a abordagem grupal é um instrumento necessário na atuação do serviço social, visto que possibilita os usuários perceberem o que há de coletivo em suas demandas, ainda que as mesmas sejam tomadas individualmente.

Este artigo visa assim problematizar a importância das práticas educativas nos serviços de alta complexidade, com base no direcionamento da ação profissional pelos referenciais teórico-metodológicos e ético-políticos do Serviço Social, favorecendo a superação da subalternidade às diretrizes institucionais à qual a profissão foi historicamente submetida.

Conceito ampliado de Saúde e assistência de alta complexidade.

O atual modelo de saúde preconizado no SUS e configurado no texto constitucional de 1988, resultante das conquistas do movimento sanitário, coloca-se como contraponto ao modelo tradicional que estabelecia dicotomias entre curativo e preventivo, individual e coletivo, por meio de práticas assistenciais fortemente centradas em hospitais, restritas aos contribuintes previdenciários.

O modelo tradicional, denominado modelo flexneriano foi oriundo do pensamento médico ocidental do século XVIII e representa as bases do desenvolvimento da clínica e do surgimento do hospital. Desenvolvido na Escola Norte americana, enfatiza a especialização da medicina individual, tendo produzido grandes e profundas influências na formação médica e nos moldes organizacional e funcional do sistema público de saúde.

O atual modelo assistencial implementado no Sistema Único de Saúde teve seus fundamentos no movimento da Reforma Sanitária, e seus princípios e diretrizes incorporados na Constituição de 1988 e, posteriormente, na Lei 8080/90.

O modelo do SUS surge assim como um novo paradigma na atenção à saúde, cujos princípios e diretrizes rompem com o paradigma clínico flexneriano, exigindo uma nova forma de organização das ações e serviços de saúde.

Assim, o modelo assistencial do SUS concebe a saúde em seu sentido ampliado, envolvendo as condições de vida (habitação, alimentação, transporte, cultura, lazer,...) e de trabalho. Tal conceito contraria o entendimento da saúde enquanto um “bem de troca”, mas, como um “bem comum”, abrangendo promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Por conseguinte, deve ser considerada como um componente e exercício da cidadania.

A adoção do conceito ampliado de saúde implica considerar que a produção de saúde é determinada socialmente, tendo o princípio da integralidade na assistência como um grande desafio.

O reconhecimento sobre a determinação social no processo saúde-doença é retratada não só na Constituição Federal e na Lei 8080, a qual rege o SUS. Em março de 2006, é estabelecida a Comissão Nacional de Determinantes Sociais em Saúde, através do Decreto Presidencial.

Apesar dos significativos avanços presentes no atual modelo de saúde, na prática, o modelo tradicional médico-assistencial ainda tende a ser predominante no cotidiano do espaço profissional da saúde. Verifica-se que não houve a quebra do paradigma tradicional clínico, sobretudo no que se refere à assistência de alta complexidade[1], já que o enfoque nas ações preventivas e de “promoção à saúde” destinam-se, basicamente, à assistência primária implementadas pelo Programa Saúde da Família – PSF, os quais tem a marca do caráter focal, precarizado e desarticulados dos demais níveis assistenciais e das demais políticas setoriais, conforme a conceituação de Seguridade Social, a qual define a articulação entre as políticas de saúde, previdência e assistência social.

No Serviço do Coração do Hospital Geral de Bonsucesso- HGB, a cirurgia cardíaca tem relevância central na organização dos serviços. Observa-se a proeminência do caráter curativo nas práticas assistenciais, apesar de as condições sociais repercutirem no processo de adoecimento e de recuperação, bem como associarem-se aos índices de reinternação.

Detectar e interpretar os determinantes sociais do processo saúde-doença, exige do Assistente Social a competência técnica, política, ética e técnico-operativa, de forma a superar a ação profissional subordinada e acrítica diante da predominância do modelo assistencial clínico.

A abordagem sobre as expressões adquiridas pela questão social no Serviço do Coração incide não apenas sobre as demandas explícitas colocadas ao Serviço Social. Visa interpretar os condicionantes implícitos das mesmas no sentido de ir além do encaminhamento pontual.

Busca-se estabelecer espaços de reflexão, seja nas abordagens individuais ou grupais, de forma a favorecer a problematização das contradições sociais, com base na compreensão da realidade social em sua totalidade, esta concebida no contexto histórico e contraditório do atual estágio da sociedade capitalista.

A ação reflexiva coloca-se enquanto estratégia privilegiada na socialização das informações e na superação da cotidianidade e desvendamento da realidade a favor do processo de sua transformação histórica, tanto nos aspectos estruturais como nas construções estabelecidas nas diversas instâncias nas quais se desenvolvem as relações sociais (relações familiares; de gênero; étnicas; intergeracionais; raciais...).


Serviço Social e Saúde.

A aplicação do conceito ampliado de saúde, conforme o modelo adotado pelo SUS, incide na ampliação do espaço sócio-ocupacional dos assistentes sociais, atribuindo relevância ao seu papel profissional, a medida que a assistência integral envolve a compreensão sobre a determinação social do processo saúde-doença.

Entretanto, a efetivação de tal papel realiza-se de forma conflituosa no processo de trabalho em saúde, seja devido a limitação de uma consciência sanitária e da concepção ampliada de saúde no interior da equipe multidisciplinar, consubstanciada na desorganização do seu processo de trabalho; seja devidos aos fatores macrossociais (restrição de recursos institucionais; crescimento da demanda social; clientelismo; lógica de produtividade no sistema...), os quais contrariam os princípios do SUS e o modelo assistencial dele decorrente.

A limitação na consciência sanitária reflete uma assistência centrada na especialidade médica, na qual os demais profissionais são tidos como subordinados à prática médica.

Tal contexto, provoca, frequentemente, uma contradição entre o que o assistente social considera como demanda social e o que se coloca enquanto demanda institucional ao Serviço Social. O desvirtuamento das atribuições do assistente social, as quais constam no seu estatuto profissional, aparece a partir de requisições burocráticas e desqualificadas, por parte de outros segmentos profissionais. O confronto, na busca da legitimação profissional, acentua fragmentação da equipe multidisciplinar, prejudicando a construção do sentido da interdisciplinaridade.

A elaboração de respostas profissionais requer dos assistentes sociais a correta interpretação sobre a determinação social do processo saúde-doença, considerando-se a necessária compreensão de que o seu trabalho não se desenvolve independentemente das circunstâncias do contexto conjuntural e institucional que o determinam.

Com base em Vasconcelos (2000) compreende-se que a busca de informações sobre determinadas especialidades médicas contribui na democratização e interpretação das mesmas junto aos usuários. Entretanto, conforme a mesma autora, este não é o fim último do trabalho profissional, o qual tem como objetivo contribuir para a universalização e ampliação dos direitos.

A autora lembra que a sobrecarga com a ação burocratizada e fragmentada limita a criação de espaços de reflexão de forma sistemática e continuada sobre as condições de vida e de trabalho envolvidas no processo saúde-doença.

Ao assistente social, caberá como papel principal o de operacionalizar mediações, as quais contribuam para a efetivação da condição de cidadania dos usuários, facilitando o acesso e informação da população sobre seus direitos, não só no sentido de realizar os devidos encaminhamentos aos recursos institucionais disponíveis, mas também de refletir junto aos pacientes e seus familiares sobre a realidade social na qual se insere o processo saúde-doença e sobre as formas de promoção, proteção e recuperação da saúde em diferentes níveis, seja nas abordagens individuais ou grupais.

A criação de espaços para a democratização de informações, o exercício de relações solidárias, de troca de experiências e apoio contribui para que os usuários se sintam fortalecidos na sua luta política por seus direitos, a medida que passam a distinguir suas necessidades e interesses fundamentais enquanto sujeitos coletivos.

Educação e saúde e Serviço Social.

A prática reflexiva no Serviço Social consiste em estratégia fundamental no direcionamento da ação profissional para os objetivos que contribuam para a ampliação da cidadania e construção da sociedade democrática.

Conforme destaca Vasconcelos (1997: 135), a existência de um direito social não determina o acesso a ele como tal. A descaracterização do acesso ao direito formal enquanto favor, doação, constrangimento, troca... requer o rompimento do usuário da sua condição de instituído para a condição de sujeito social crítico e consciente. A socialização da informação e a democratização do saber acumulado e produzidos pelos profissionais sobre a condição dos usuários, sobre os recursos que podem utilizar, sobre o movimento das instituições (rotinas; recursos; contradições; correlação de forças...), cumpre papel relevante no sentido de instrumentalizá-los em suas reivindicações e na conformação do lugar dos mesmos para a condição de sujeito social. Uma relação profissional solidária, na qual o conhecimento que é veiculado possa se processar como instrumento de indagação; de análise; de crítica e de ação, pode contribuir para que os usuários possam participar com possibilidades e clareza na decisão de caminhos na defesa de seus direitos.

A Educação e saúde tem sua origem no processo de conformação da Saúde Pública enquanto ramo de atuação. Entretanto, pode representar em importante estratégia do Serviço Social no desenvolvimento da pratica reflexiva junto aos usuários. Trata-se de um recurso por meio do qual o conhecimento científico atinge a vida cotidiana dos usuários, a partir da compreensão sobre suas representações dos condicionantes do processo saúde-doença.

A concepção de Educação em Saúde, segundo Assis (1998), tem sua origem por volta do século XIX, a partir do desenvolvimento de doutrinas higienistas na Europa. Nesse contexto, a saúde é vista com uma questão de bons hábitos, surgindo a necessidade de “educar” a população sobre as doenças e diversas epidemias que as assolavam. A saúde é centralizada no indivíduo, sem levar em consideração as condições de vida e trabalho, assim como todos os outros determinantes sociais.

No Brasil, tal concepção de Educação surge em meados do século XX, buscando combater as epidemias que atrapalhavam a exportação do café. O Estado Brasileiro também identifica nesse momento a saúde como questão de bons hábitos e passa intervir de maneira autoritária embasado no higienismo, acreditando que a solução para todos os problemas de saúde da população, sobretudo as mais pobres, seria através de mudanças comportamentais, em que estas “obedeceriam” as normas de higiene vigentes. Esse período marca a Educação em Saúde como uma forma de controle por parte das classes dominantes e do Estado sobre a população.

Citando Vasconcelos, Assis indica que a possibilidade de rompimento com a perspectiva adaptativa e controladora ocorreu a partir da proximidade dos profissionais de saúde com a experiência da educação popular[2], a qual se coloca enquanto Pedagogia comprometida com a transformação social. O foco dos educadores objetivaria não mais uniformização do comportamento humano, mas a construção de possibilidades de transformação da sociedade com o protagonismo das camadas populares. (ASSIS, 1998:5-6)

A autora destaca dois modelos que fundamentam a Educação em Saúde: o modelo Tradicional, no qual a prática educativa é realizada como forma de transmissão de conhecimentos, informações, normas e regras às camadas populares, sendo a saúde entendida como uma responsabilidade individual, desconectada dos determinantes sociais e históricos; e o modelo Crítico, que vincula o processo saúde/doença aos determinantes sociais, históricos e econômicos, e não aos hábitos e comportamentos individuais.

O modelo crítico enfatiza o questionamento ao modelo biologista, considerando que este acaba por culpabilizar o indivíduo por sua condição. Ressalta ainda a crítica à forma vertical de transferência do conhecimento, indicando que não considera o saber acumulado pela população.

Ainda com base em Assis, identificamos diferentes enfoques na prática de Educação em Saúde, os quais não se excluem mutuamente:

O enfoque educativo - Cabe ao profissional assegurar que as informações dadas sejam bem compreendidas. Persuadir pessoas para motivar mudança de comportamento.

O enfoque preventivo – A prevenção é o melhor caminho. Educação pautada nos fatores de risco; em conteúdos extraídos da clínica e ou/epidemiologia.

O enfoque radical - a estrutura social e as condições de vida são as causas básicas das doenças e a educação em saúde deve criar uma consciência pública.

O enfoque de desenvolvimento pessoal - Utilização de estratégias para aumentar as potencialidades dos indivíduos. Pressupõe-se que a autovalorização propicia o autocuidado, deixando o individuo menos vulnerável às pressões para práticas não-saudáveis.

As práticas educativas norteadas pelo modelo crítico valorizam a abordagem grupal, o saber popular e o diálogo. No entanto, valorizar o coletivo não significa negar as questões individuais. Esta dimensão também é reconhecida e busca potencializar a afirmação do indivíduo como sujeito.

“Para o homem comm, as coisas são e existem em si, principalmente por sua significação prática: satisfação imediata de necessidades da vida cotidiana”. (VASCONCELLOS, 1997:137)

Cabe atentar para a ação comunicativa e valorizá-la. A interação entre os saberes técnico e popular favorece a transmissão das informações e a problematização da realidade e a compreensão sobre o cotidiano dos usuários.

A mesma autora ressalta que a superação da consciência comum se dá a partir da práxis, em sua essência, a qual vai além da prática espontânea cotidiana, possibilitando ascender a um ponto de vista objetivo, científico a respeito da atividade prática do homem. Destaca ainda que, apesar de nutrir-se das aquisições da ciência, o conhecimento do homem comum acaba por realizar uma aquisição fragmentada e acrítica, impossibilitando uma ligação consciente entre consciência e seu objeto.

Concordamos com a autora na sua compreensão de que a prática cotidiana dos usuários não pode ser desconsiderada, mas a partir dela, na interação entre os saberes técnico e popular, deve-se buscar seu desvendamento e interpretação.

Assim, adota-se a concepção de Educação em Saúde que se insere na perspectiva crítica, considerando-se que tal metodologia privilegia a valorização da vivência do usuário enquanto sujeito coletivo e a interação entre os saberes técnico e do paciente, favorecendo a objetivação tanto por parte dos usuários, quanto dos profissionais envolvidos no processo educativo.

Por fim, vale enfatizar que o modelo de Educação em Saúde crítico favorece o desenvolvimento de práticas assistenciais com base no conceito ampliado de saúde configurado no SUS, reorientando a organização dos serviços de saúde para além do tratamento clínico-curativo, e compreendendo a relação profissional comprometida com a justiça social e a cidadania, bem como com a valorização da qualidade de vida e da promoção do homem enquanto bem maior na sociedade.

Considerações finais.

Apesar dos avanços jurídicos normativos referentes a política de saúde, ainda não se verifica mudanças significativas no quadro sanitário capazes de alterar a perversa realidade que envolve as camadas populares. Se, por um lado, tivemos mudanças relevantes, sobretudo com a ampliação da atenção básica e com algum investimento em programas de promoção à saúde, tais como o Programa Saúde da Família e de Agente Comunitário de Saúde, por outro lado os avanços não se articularam com ações de saúde que envolvem a rede de maior complexidade. São comuns no nosso cotidiano de trabalho às solicitações para exames (tomografias, ultra-sonografias, ressonâncias magnéticas...), medicamentos e internações. A população é submetida ao percurso por várias unidades de saúde, manifestando-se de forma subalternizada, contrariando o fundamento principal do SUS que define a saúde como um direito universal e de dever do Estado.

No Serviço do Coração do HGB, observa-se que, vencido o obstáculo de acesso aos serviços de alta complexidade, o usuário se depara com diversas outras distorções no sistema de saúde no que se refere a continuidade de seu tratamento, seja devido a dificuldade de garantir o necessário acompanhamento ambulatorial, ou do direito à assistência farmacêutica; seja devido a ineficácia das demais políticas sociais, no sentido de garantir a correta articulação intersetorial voltada para o atendimento às outras necessidades envolvidas no processo saúde-doença (adaptação ao trabalho, dado as limitações impostas pela cirurgia cardíaca; direito ao transporte gratuito para o tratamento de doenças crônicas; assistência material, sobretudo alimentícia nos casos de usuários sem vínculo previdenciário, não elegível ao BPC e impossibilitado de exercer suas atividades laborativa...).

Considerado um serviço assistencial de alta complexidade, no qual a cirurgia cardíaca tem especial relevância, observa-se que a predominância do modelo clínico subjuga os determinantes sociais na organização dos serviços e na definição das práticas assistenciais, sendo, por vezes, considerados enquanto fator de exclusão do direito ao acesso aos serviços. A valorização da abordagem sobre os determinantes sociais ocorre, não no sentido de oferecimento da assistência em caráter ampliado, mas enquanto fator de exclusão do direito ao acesso aos serviços, justificados pela necessidade de mobilização de leitos, ameaçadas pelos usuários “sem referência familiar” ou pela “não resolutividade” (e, conseqüentemente, “desperdício de gasto público”) quando se referem aos usuários com renda familiar precária ou com rede de apoio familiar restrita, já que determinados procedimentos cirúrgicos definem a prescrição de medicamentos protegidos pela “Lei de patentes” e que, devido o alto custo, não são ofertados pelo Estado.

Tal quadro explicita que a aplicação dos princípios do atual modelo assistencial preconizado no SUS não se restringe a dimensão normativa. A garantia do acesso enquanto direito universal; da equidade; da integralidade enquanto articulação da assistência nos vários níveis (primário, secundário, terciário e quaternário) e na implementação de práticas assistenciais que possam conceber o processo saúde-doença em suas várias determinações; entre outros, vincula-se, sobretudo à dimensão política e simbólica dos atores envolvidos, independentemente do nível assistencial. A superação do modelo assistencial biologicista e excludente requer um enfoque sobre a saúde enquanto um bem público e práticas assistenciais que priorize a promoção da saúde em seu conceito ampliado.

O estabelecimento de espaços para a democratização de informações e de reflexão sobre a realidade social na qual se insere o processo saúde-doença contribui para fortalecer os usuários na busca de seus direitos, e a distinção de suas necessidades e interesses enquanto sujeitos coletivos.

A ampliação do espaço sócio-ocupacional dos assistentes sociais, a partir das mudanças jurídico-normativas configuradas na Constituição de 1988, não corresponde à idéia de que estão postas as condições de efetivação do ideário do projeto ético-político profissional. As contradições no cotidiano de trabalho, sobretudo devido ao privilegiamento das atividades médicas-curativas individuais, subjugam as ações de caráter reflexivas e coletivas.

Sobre esse aspecto, Costa (2006: 341) nos traz importante contribuição, quando nos leva a compreender que o processo de trabalho do assistente social não se desenvolve independentemente das circunstâncias do contexto conjuntural e institucional:


No Serviço do Coração, o Serviço Social visa atuar sobre as demandas sociais para além do seu caráter explícito, estabelecendo espaços de reflexão possíveis de problematizar e interpretar os condicionantes implícitos das mesmas, com base numa perspectiva de totalidade social. A partir das abordagens individuais, nas avaliações pré-operatórias e demandas espontâneas dos usuários, e das abordagens grupais no GRUPISCO – Grupo de Pacientes Internados no Serviço do Coração, busca refletir sobre os diversos aspectos presentes no processo de adoecimento e de hospitalização, favorecendo o potencial de reafirmação da identidade dos usuários enquanto sujeitos coletivos; de transformação individual e coletiva no sentido da promoção da saúde em sua concepção ampliada.

A metodologia de Educação e Saúde adotada é considerada privilegiada na medida em que, considerando-se a valorização da vivência do usuário enquanto sujeito coletivo e a interação entre os saberes técnico e do paciente, permite o desvendamento e interpretação da realidade, tanto pelos usuários quanto pelos diversos segmentos profissionais envolvidos.

Parte superior do formulário

É possível verificar que a educação e saúde foi sendo gestada nos diversos períodos, de maneira geral, atrelada aos interesses econômicos do Estado e da Classe dominante, sendo marcada pelo autoritarismo e pela imposição de medidas e normas à população, no intuito de reproduzir e adequar os comportamentos e hábitos às normas de higiene vigentes. A saúde era centralizada no indivíduo, sendo estes responsáveis pelo seu processo saúde-doença, isentando o Estado e a estrutura econômica excludente de qualquer responsabilidade.

No período mais recente, identificamos o esforço de implantação da concepção de Educação em saúde mais problematizadora, compreendendo o determinantes sociais, relacionados com a estrutura social e não aos hábitos e comportamentos individuais. Valoriza o coletivo, o diálogo, e o trato horizontal entre os saber técnico e o saber popular, visando uma prática reflexiva com o intuito de transformação da realidade.

Acreditamos que tal metodologia pelo GRUPISCO concorre com as estratégias que potencializem a transformação individual e coletiva dos usuários socialmente inseridos no mundo, ampliando sua capacidade de interpretação crítica da realidade social e de responsabilidade e autonomia com o cuidado e proteção com o corpo, bem como com as ações de promoção à saúde, estas intrinsicamente relacionadas à implementação e ampliação dos direitos sociais.

Entretanto, cabe ressaltar a preocupação em adotar o referencial de Educação e Saúde que considere o caráter contraditório presente na realidade social, bem como a limitação da compreensão aparente da mesma no sentido da sua transformação. Outrossim, concebe-se a prática educativa no seu intuito de transformação social, entendendo-se que pensar o cidadão, é pensar no indivíduo com acesso a educação e informação enquanto capital e transformação da realidade e de consolidação da cidadania.

(*) assistente social no Hospital Geral de Bonsucesso e acadêmica de 8O período de Serviço Social da UFRJ

Referências Bibliográficas:

ASSIS, Monica. Educação em saúde e qualidade de via: para além dos

modelos. A busca da comunicação. Série Estudos em Saúde Coletiva. Rio

de Janeiro: UERJ/IMS, no169, 1998.

COSTA, Maria Dalva H. da. “O trabalho nos Serviços de Saúde e a inserção dos(as)

Assistentes Sociais”. In MOTA, Ana Elizabete. Serviço Social e Saúde.

Formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006, pp. 304-351.

MELO, J.A.C. Educação sanitária: uma visão crítica. São Paulo: Cortez,

Cadernos do Cedes, nº 4, 1987. pp. 28-43.

PINTO, J. B. “Ação educativa através de um método participativo no setor saúde”.

In: Anais do Encontro de Experiências de Educação e Saúde da Região

Nordeste. Brasília: Ministério da Saúde. 1987, pp. 15-19.

STOTZ, Eduardo N. “Enfoque sobre educação e saúde”. In: VALLA, Vicent. V.;

SOTZ, Eduardo N. Participação popular, educação e saúde: teoria e

prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará,1993. pp.11-22.

VASCONCELOS, Ana Maria de. “Serviço Social e prática reflexiva”. In: Em Pauta.

Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ. Rio de Janeiro: UERJ.

NO 10, 1997, pp.131-182.

_________________________. “O projeto de profissão e a prática na área da

saúde”. In: PRAXIS. Jornal do CRESS – Conselho Regional de Serviço

Social – 7ª. região. Rio de Janeiro: CRESS. Junho, 2000.



[1] Conforme definição do Ministério da Saúde, são considerados procedimentos hospitalares de Alta Complexidade aqueles que demandam tecnologias mais sofisticadas e profissionais especializados.

[2] Movimento surgido no final da década de 50, a partir do envolvimento de intelectuais católicos com a questão social.



GALERIA DE FOTOS:

"Nada que VIVE, vive só ou pra si..."

"Dia do assistente social" - maio de 2008

"Envelhecimento humano e cidadania da pessoa idosa"